Ex-presidente do Banco Central e ex-ministro da Fazenda lança o livro ‘Calma Sob Pressão’, que reconta aprendizados de sua trajetória. Ao g1, comenta sobre o atual estado atual das cadeiras que comandou na economia do país. Haddad ou Campos Neto? Henrique Meirelles conta quem tem o trabalho mais difícil
Em agosto, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, respondeu em tom de brincadeira a uma pergunta sobre as críticas do governo ao Banco Central. Disse que acha seu emprego é mais difícil que o de Roberto Campos Neto, presidente da instituição.
“Acho meu emprego bem mais difícil que o dele. Eu quase me indiquei para a Presidência do Banco Central para trocar de cadeira porque eu acho mais fácil lá. Tanto é que tem livro sobre o desafio que é ser ministro da Fazenda”, disse Haddad.
Pouca gente teria mais bagagem para comentar que Henrique Meirelles. O ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central concedeu entrevista ao g1.
“São trabalhos bem diferentes, e com desafios diferentes. O BC tem um instrumento mais decisivo, que é a taxa de juros, e faz a gerência das reservas internacionais. São duas coisas muito importantes para o país”, afirma Meirelles, que ocupou a cadeira entre 2003 e 2010.
“E o presidente do BC lida com os efeitos das decisões que toma. É um trabalho muito técnico, que envolve previsões de inflação, taxa de juros e atividade.”
Meirelles diz que o Ministério da Fazenda não tem instrumentos próprios de ação direta que possam influenciar a economia, a não ser a gerência das letras do Tesouro Nacional.
“Mas o Ministério da Fazenda lida basicamente com toda a estrutura política do país. Depende muito daquilo que é apresentado e aprovado no Congresso Nacional, e também do que o presidente da República pretende fazer. Tem que influenciar outras áreas do governo, muitas vezes por persuasão”, diz ele sobre o cargo que ocupou entre 2016 e 2018.
Meirelles lançou na semana passada o livro “Calma sob pressão: O que aprendi comandando o Banco de Boston, o Banco Central e o Ministério da Fazenda”. Nele, conta suas memórias ao ocupar os cargos mais relevantes da economia e avalia os desafios.
Você pode conferir a íntegra da entrevista no vídeo abaixo ou ler nesta reportagem.
Ex-ministro Henrique Meirelles concede entrevista ao g1 sobre novo livro; veja íntegra
Em seguida, há um resumo de melhores momentos, em que Meirelles comenta:
Sobre o episódio favorito de seu novo livro
Sobre o maior desafio do BC hoje em dia
Sobre se Galípolo vai enfrentar confronto com Lula no BC
Sobre o trabalho de Haddad no Ministério da Fazenda
Sobre a reforma administrativa
Sobre o futuro da economia brasileira
Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central, concede entrevista ao g1
Fábio Tito/g1
Sobre o episódio favorito de seu novo livro
A crise de 2008 foi um evento muito interessante. Muito grave e, ao mesmo tempo, muito gratificante porque nós enfrentamos muito bem.
A economia americana entrou em colapso, até que todas as linhas de crédito internacionais para o Brasil — que representavam mais de um quarto do total de crédito — de importação, de exportação, tudo foi paralisado. O Brasil entrou em uma crise de crédito e uma recessão fortíssima.
Felizmente, tínhamos recursos para enfrentar isso porque tínhamos feito uma acumulação de reservas importantes no Banco Central.
Mas aí apareceu um outro problema, dos chamados derivativos tóxicos. As empresas vendiam o dólar a descoberto — isto é, sem ter o dólar —, apostando que o dólar ia cair, para ganhar com isso. Mas o dólar começou a subir com a crise, dando um prejuízo brutal. E era difícil descobrir qual era o tamanho do problema.
Conversei com muitos banqueiros centrais e dimensionei o total de US$ 40 bilhões. Em outra coletiva de imprensa, disse que o Banco Central ia entrar no mercado vendendo o dólar futuro — isto é, na posição oposta a essas companhias.
Eu anunciei: “Olha, o BC vai entrar vendendo dólar futuro e vai entregar futuros no mercado de derivativos aqui, na bolsa.” A pergunta dos jornalistas foi: “Quanto?” Eu disse: “Nosso limite é vender, hoje, até US$ 50 bilhões.”
O mercado acalmou, o dólar derreteu. Resolveu a crise. E esse conjunto de ações fez com que o país, que tinha entrado em recessão, já saísse e já entrasse, em janeiro de 2009, em uma rota de crescimento.
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Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central, concede entrevista ao g1
Fábio Tito/g1
Sobre o maior desafio do BC hoje em dia
A questão dos atritos tende a acabar. É algo que pode dar mais conforto ao presidente Lula que as pessoas que estão lá são nomeadas por ele. Ele não precisa ficar preocupado que alguma medida possa ter como finalidade prejudicar o governo.
Particularmente, acho que o Roberto Campos Neto fez um bom trabalho. Mas é normal que o presidente fique meio preocupado com uma diretoria nomeada pelo Bolsonaro.
Isso faz com que o grande desafio volte a ser aquilo que é a missão básica do BC: manter a inflação sob controle e dar condições para o país crescer no seu máximo potencial, sem exagerar. Quando exagera dá inflação, e dá problema.
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Sobre se Galípolo vai enfrentar confronto com Lula no BC
Acho que a probabilidade disso é menor. A questão aí não é se o presidente concorda ou não com as decisões. No momento em que ele confia que o presidente do BC vai tomar decisões que possam prejudicar o governo, ele se tranquiliza.
E aqui tem uma diferença importante: a questão não é exatamente um BC que vá tomar decisões para agradar o presidente, porque isso seria perigoso. Não acredito que isso vá acontecer. Mas, no sentido de que dá uma tranquilidade ao presidente de que, mesmo quando houver movimentos que ele não goste, ele tem uma tranquilidade de que aquilo está sendo feito por decisões técnicas, sem nenhum componente de ação política.
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Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central, concede entrevista ao g1
Fábio Tito/g1
Sobre o trabalho de Haddad no Ministério da Fazenda
O ministro Haddad está fazendo um bom trabalho. Ele está em um governo que tem uma visão de que o gasto público é o que conduz a economia, o crescimento e a criação de emprego. Ele tem consciência das limitações, dos riscos e dos custos dessa expansão fiscal.
Então, existe um meio-termo. É uma situação em que, de um lado, está o que os analistas e o mercado esperam de política fiscal e, do outro, o que os políticos, particularmente o partido dele, esperam da política fiscal. E ele tem que conviver com esses dois lados da equação.
Ele está fazendo isso com habilidade, e conseguindo manter as contas em relativo controle.
Recentemente, algumas coisas geraram uma preocupação maior, como criar uma despesa passando pela Caixa Econômica, de maneira que não entre no orçamento. Isso é negativo, um sinal negativo. Espero que seja controlado e que tenham sido situações pontuais. No caso, por exemplo, do governo Dilma, isso gerou problemas importantes.
Então, eu acredito que a gestão fiscal, na medida em que continue obedecendo a certos limites, é positiva. O arcabouço fiscal é muito mais flexível, permite um crescimento real das despesas. O teto de gastos era algo que colocava um limite mais direto e mais duro. Do meu ponto de vista, também mais eficaz.
De qualquer forma, é positiva a existência do arcabouço. Poderia ser melhor? Sim. Mas também poderia ser muito pior.
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Sobre a reforma administrativa
Um modelo interessante é o do estado de São Paulo [Meirelles foi secretário da Fazenda do Estado de São Paulo entre 2019 e 2022]. O governo de São Paulo fez uma reforma administrativa que gerou um saldo orçamentário e de caixa para o governo de São Paulo de R$ 52 bilhões. Como? Fechando empresas que deixavam de ter finalidade, cortando determinados tipos de benefícios do funcionalismo público e tudo isso.
Uma reforma administrativa desse tipo no governo federal poderia gerar algo muito maior. Se São Paulo foi R$ 52 bilhões, vamos imaginar algo na linha dos R$ 150 bilhões ou R$ 200 bilhões de diminuição de despesas obrigatórias e correntes do governo federal.
Por exemplo, você pega as empresas que foram formadas há muitos anos atrás (…) para fazer alguma obra ou algum projeto que não foi executado. A empresa continua existindo, com funcionários, com prédio, com despesa de luz, água, telefone, automóvel, etc. Então, uma reforma administrativa iria fechar esse tipo de empresa.
Evidentemente que isso tem resistência. Os funcionários que estão nessa empresa não gostam disso e reagem a isso, protestam, etc. Tem que se enfrentar uma resistência importante.
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Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central, concede entrevista ao g1
Fábio Tito/g1
Sobre o futuro da economia brasileira
A tendência da economia brasileira é ter esse crescimento entre 2,5% e 3%, que é o que tem acontecido — tem sido até mais para 3% do que para 2,5% mais recentemente —, mas, olhando à frente, vai ficar por aí. Não é o crescimento ideal, mas é um crescimento razoável.
Ao mesmo tempo, temos uma perspectiva de uma inflação sob controle e um BC independente, o que ajuda dentro do processo de manutenção de uma economia estável e um crescimento também estável.
Para termos uma mudança desse cenário, nós teremos que avançar. Por exemplo, uma reforma administrativa para gerar recursos que permitissem inclusive uma diminuição da carga tributária. Isso beneficiaria a economia.
As reformas de produtividade também são muito importantes. Não se tem falado sobre isso, mas a reforma tributária também tem um efeito na produtividade. Seria muito importante que fizéssemos uma reforma tributária o mais simplificadora possível. Estudos do Banco Mundial mostram que uma das maiores questões da baixa produtividade do Brasil é exatamente uma tributação muito complexa.
Partindo do pressuposto de que esse assunto não está sendo discutido, o crescimento é esse, de 2,5% a 3%. Vai ser mais de 3% dependendo da circunstância, e eventualmente menos.
A vantagem? Não se prevê uma crise à frente. Crise sempre pode existir, mas não há necessidade de se prever uma crise no Brasil porque as coisas estão relativamente equilibradas. Além de que o Brasil é um país que tem uma democracia estabilizada, tem o Judiciário independente, Congresso independente, a imprensa independente.
Então, tudo isso dá uma estabilidade para o país seguir essa rota, sem grandes oscilações.
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