Após longos meses de espera — e demais jogos de The Last of Us ganhando ports —, eis que a segunda temporada da série da HBO estreia. E esse debut chega com um certo hype: aliás, impacto narrativo e personagens fortes é o que não falta em Part II.
Mas vamos ser francos: entrevistas de Neil Druckmann e Craig Mazin colocaram um pouco de água fresca na empolgação. Com o tempo, fomos percebendo que muitas mudanças viriam na série, com algumas delas sendo mais significativas que outras.
Agora, podemos ter a prova cabal do que o futuro reserva ao The Last of Us. Se é o futuro nos games, não há como ter certeza, mas ao menos na televisão há alterações em conceitos, personagens, história, caracterização e tudo mais que você imagina.
O resultado? Algo cheio, mas cheio de estranheza. Nem tudo é um mar morto, mas a Naughty Dog e a HBO parecem estar desafiando os fãs que queriam algo mais fiel, mesmo que a primeira temporada tenha sido amplamente elogiada por críticos e espectadores.
Tanto tempo para isso?
Vamos concordar: depois de muito tempo de espera, a introdução da segunda temporada de passou longe de ser impactante. Nos primeiros momentos, vemos Abby discutindo com Owen Moore e seus amigos sobre a caça que será iniciada contra Joel Miller.
O que levou a personagem a tomar essa decisão ainda é incerto: apenas várias lápides com mortos se espalham por um campo, e Abby parece estar muito irritada. Kaitlyn Dever mostra seus primeiros momentos interpretando a personagem, e aqui já há grandes mudanças.
Abby está longe de ter seu porte físico, algo que se destaca como uma de suas principais características no game. No lugar disso, vemos apenas uma sobrevivente comum, mas com espírito de liderança, e aparentemente disposta em vingar seus colegas.

Determinada a ir atrás de Joel (ou de Joe), ela pede ajuda de seus companheiros, mesmo diante da necessidade de encontrar um lugar seguro. Infelizmente tudo ocorre em uma cena genérica e sem qualquer tipo de impacto, com um discurso raso e muito vazio.
Não há como reclamar muito sobre isso, pois a ideia de uma série é essa: construir a história aos poucos. Mas Abby quer apenas vingar seus antigos colegas, ou será que há algo mais pessoal e familiar por trás de tudo isso (como acontece no jogo)?
O mundo não é mais o mesmo. Ou seria apenas Joel?
Vamos direto ao ponto: o universo de The Last of Us vem se alterando desde a primeira temporada, mas nada surpreende tão negativamente quanto Joel. O homem envolto em um grande dilema moral é substituído por alguém sensível… sensível até demais.
Para entender melhor seu relacionamento com Ellie e descobrir o que a garota criou no sentido de sentimentos adversos, ele recorre à terapia. Porém, até mesmo o ofício é introduzido de forma pouco profunda, com o personagem utilizando frases de efeito prontas.
Além disso, o primeiro episódio da segunda temporada foca bastante nessa identificação pessoal. Em vez de ressoar os problemas da primeira temporada (a mentira sobre os Vaga-Lumes), tudo parece se tornar íntimo demais. E o roteiro induz ao entendimento de que Joel é o errado.

Se a franquia de jogos de The Last of Us nunca foi sobre lado, a HBO parece ter escolhido o seu. Assim, o episódio de estreia perde muito em ritmo e impacto por querer “imitar” algo que já foi muito bem construído em filmes e séries de sucesso: a psicologia.
Como resultado, temos um personagem raso, acovardado e despersonalizado. E sim, homens choram e sentem, em especial quando a problemática envolve pessoas próximas, mas não de forma a fazer um elemento querido pelos gamers perder sua identidade.
Além disso, Joel já trata Dina como uma “filha”, deixando isso explicitamente claro. Ela parece entender seus sentimentos, quando na verdade funciona apenas como intermediário entre duas partes que supostamente estariam marcadas pelo rancor e mágoa.
Dina brilha, mas Ellie não ajuda
Uma das surpresas da segunda temporada de The Last of Us vai para Dina. Isabela Merced manda muito bem e faz um trabalho competente como o interesse romântico de Ellie, sendo provocativa e, até certo ponto, um quebra-gelo.
O problema, nesse caso, seria um certo exagero comportamental optado pelo roteiro de Craig Mazin e de Neil Druckmann. Enquanto nos games a dinâmica entre ambas funciona muito bem, na série virou algo excessivamente provocativo, com flertes sem timing.
Em certo momento, Ellie e Dina vão realizar uma patrulha ao lado de três companheiros que não interessam à escrita. O caminho é marcado por discussões bobas, piadas e risadas, algo que contrasta muito com a tensão construída por The Last of Us Part II.
Bella Ramsey cumpre seu papel e, apesar das críticas sobre sua idade e fidelidade visual com a personagem da Naughty Dog, ela consegue entregar algo orgânico e mais íntimo. Porém, é fato que ela “escolhe” quando está raivosa ou magoada.

O tom obscuro, pesado e incômodo do game desaparece rapidamente à medida que Ellie acha graça em coisas sem sentido, fala trocadilhos que aparentam muito forçados e praticamente esquece que seu caminho até ali está longe de ser algo superado.
E isso se repete do início ao fim. Enquanto no game nos preocupamos a todo instante se algo de ruim irá acontecer, o primeiro episódio da segunda temporada de The Last of Us é um parquinho de diversões pós-apocalíptico. Um retorno amargo ao início de tudo.
Referências em The Last of Us e promessas
Apesar do péssimo ritmo narrativo, especialmente pela primeira temporada ter encerrado de forma muito movimentada, há como ignorarmos certas coisas. O tempo passou e o mundo mudou: como consequência, é preciso explicar com calma onde tudo está.
Ao longo do episódio, fãs dos games podem encontrar uma série de referências aos jogos que indicam uma atenção maior da HBO pelo material original. A bancada de construção de armas, medalhas dos Vaga-Lumes, “funcionário do mês”, garrafas arremessáveis; pontuais e bem destacadas.
Porém, Eugene, que no jogo é um ex-colega de patrulha de Dina que tomava conta de uma estufa de ervas, virou o ex-marido da terapeuta de Joel, morto por ele em um passado não especificado.
Além disso, os Espreitadores fazem uma aparição interessante, mas com apenas um único deles sendo introduzido. O conceito do monstro é mantido: silencioso, covarde, sorrateiro e com uma capacidade de raciocínio que difere dos infectados e dos Estaladores.
Porém, o que vem depois disso é uma cena que causa muito estranhamento: Tommy e Maria criam um conselho, no estilo tribunal de Star Wars, onde todos debatem a capacidade do Espreitador de pensar. O momento é marcado por diálogos constrangedores.
Também podemos observar a famosa cena do baile de Ano Novo, onde Ellie e Dina se beijam pela primeira vez. Aqui, vemos uma retratação mais fiel do jogo, com as luzes piscando, Jesse ao lado e a briga que causa mais um desentendimento entre Ellie e Joel.

O futuro da série também promete mais mudanças. Neste primeiro episódio, não há o diálogo onde Joel finalmente revela a imunidade de Ellie a seu irmão, Tommy. Além disso, Ellie vê Joel tocando violão na varanda após a confusão na festa, mas apenas ignora.
Dessa forma, algumas questões podem ser resolvidas já em breve, mas com ajustes na linha do tempo que podem ou não ter um efeito em cadeia. E como se não bastasse, Abby aparece na cena final, supostamente partindo em direção a Jackson. É o bastante.
Ah, não é só isso. Gavinhas, que substituíram os esporos desde a primeira temporada de The Last of Us, crescem em plantas no condado. E elas saem diretamente dos narizes dos Espreitadores. Há quase uma previsibilidade para o que acontecerá em seguida.
Estreia da 2ª temporada de The Last of Us é um cacau 80% comido puro
Não há como negar que a segunda temporada de The Last of Us adapta o material original da Naughty Dog. Adapta. Elementos recorrentes na franquia e canônicos na história estão lá, mas aparentam ser superficiais em relação às mudanças.
Joel deixa de ser bruto, Ellie não sente raiva rancor constantes, a dinâmica com Dina é estranha e escolhas narrativas perderam em impacto. Tecnicamente falando, o episódio também peca em montagem e fotografia, deixando de ser visualmente deslumbrante.
Esse primeiro capítulo é amargo e sem graça, abdicando de todo e qualquer apelo emotivo que marcou a franquia de jogos, em especial The Last of Us Part II. Ainda há muito a acontecer, mas geralmente um debut diz muito sobre o tom adotado por um projeto televisivo.
Fãs dos jogos certamente ficarão frustrados — e com razão. Enquanto isso, quem esperava algo mais dramático e bem desenvolvido, principalmente por vir da mente que criou Chernobyl, sairá com a sensação de ter comido, no seco, cacau em pó 80% ou mais.
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