Segundo especialistas, impactos tendem a trazer uma maior variação de preços e uma mudança na matriz energética do país. Silhueta de uma mulher contra o sol poente.
AP Photo/Charlie Riedel
As mudanças climáticas vistas no Brasil nos últimos anos já devem começar a ter efeitos na inflação. Em setembro, por exemplo, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), considerado a inflação oficial do país, registrou uma alta de 0,44%, na maior variação para o mês desde 2021.
Com ondas de calor intenso desde o começo de 2024, o país tem vivido estações anômalas e intensificadas – e isso já tem aumentado os preços da energia elétrica e prejudicado plantações. (entenda mais abaixo)
Enquanto a faixa central do Brasil tem registrado recordes de temperatura e tempo seco, por exemplo, as regiões Sul e Norte foram marcadas por fortes chuvas, com volumes acima do esperado.
Segundo especialistas consultados pelo g1, apesar de as mudanças climáticas não terem necessariamente efeitos diretos no curto prazo, os impactos devem ser sentidos com maior intensidade nos próximos meses – e também nos próximos anos, uma vez que esse quadro tende a piorar diante do aquecimento global.
Entenda nesta reportagem:
O que tem acontecido com o clima?
Por que isso impacta a economia?
Quais os impactos das mudanças climáticas nos preços dos alimentos?
Quais os impactos das mudanças climáticas nos preços de energia elétrica?
O que esperar à frente?
O que tem acontecido com o clima?
As mudanças climáticas vistas no Brasil e no mundo não são de agora. No ano passado, por exemplo, dados da Organização Meteorológica Mundial (OMM) já haviam indicado que as temperaturas haviam superado a média anual.
Agora, com as ondas de calor vistas desde o começo do ano e com o verão mais quente já registrado na história, 2024 caminha para bater um novo recorde.
Como o g1 já mostrou, alguns dos fatores que explicam as altas temperaturas são:
As mudanças climáticas trazidas pelo aquecimento global. O aquecimento global é o aumento anormal da temperatura do planeta, causado pelos gases de efeito estufa que retém o calor do Sol na atmosfera terrestre;
E os impactos dos últimos fenômenos naturais. Entre 2023 e 2024, por exemplo, o país sentiu os efeitos do El Niño — fenômeno que acontece de tempos em tempos e que se caracteriza pelo aquecimento das águas do Oceano Pacífico.
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Por que isso impacta a economia?
Com diferentes impactos no clima, ambos os fenômenos podem se refletir de diversas maneiras nos preços e na economia.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), alguns efeitos são:
Temperaturas mais altas, que aumentam o número de doenças relacionadas ao calor e dificultam o trabalho ao ar livre, diminuindo a produtividade do trabalho;
Tempestades mais severas e destrutivas, que destroem casas e comunidades, causando mortes e perdas econômicas — como o que aconteceu este ano no Rio Grande do Sul, por exemplo;
Aumento das secas, que afetam plantações e aumentam a vulnerabilidade dos ecossistemas, diminuindo a área cultivável e gerando perdas de safras;
A perda de espécies e o aumento de doenças e pragas invasoras;
Comida insuficiente, resultado da menor produtividade da pesca, da agricultura e da criação de gado; entre outros.
Quais os impactos das mudanças climáticas nos preços dos alimentos?
Todos os impactos apontados pela ONU também têm seus impactos na inflação ao redor do planeta. Do lado dos alimentos, por exemplo, a redução de áreas cultiváveis e os períodos prolongados de seca afetam não somente o segmento hortifrúti como a pecuária, por conta do pasto mais limitado.
No Brasil, esse cenário já pode ser visto em algumas culturas. Nas últimas semanas, ações humanas se somaram à baixa umidade do ar, ao vento e às altas temperaturas registradas na faixa central do país e trouxeram uma onda de incêndios, que atingiram diversas regiões.
Um levantamento feito pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), por exemplo, apontou que ao menos 2,8 milhões de hectares de propriedades rurais foram afetados, trazendo um prejuízo estimado em R$ 14,7 bilhões para o campo.
Na inflação, esse prejuízo se traduz como:
Um custo maior para os produtores, que precisarão renovar solos e plantações e devem repassar os gastos aos consumidores;
Uma menor oferta dos produtos atingidos no mercado; e
Uma menor produtividade do rebanho por conta do pasto mais limitado
Segundo o economista da XP Alexandre Maluf, há expectativa de que as mudanças climáticas já comecem a ter efeitos maiores nos preços à frente.
Esses efeitos, segundo o economista, devem ser vistos com mais clareza principalmente nos alimentos in natura, que são afetados tanto pelas fortes chuvas quanto pela seca prolongada.
“Especialmente em São Paulo tivermos o caso da cana-de-açúcar, com várias empresas registrando perdas significativas pelas queimadas nos canaviais. Esse é um fator de preocupação não só no curto prazo, mas de perda de produtividade”, diz Maluf.
Esse movimento de alta nos alimentos, inclusive, já foi visto em setembro. No mês, o grupo de Alimentação e bebidas voltou a subir (0,50%) depois de dois meses de queda.
De acordo com informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) o avanço observado no grupo foi puxado por alimentação no domicílio, que subiu 0,56%, influenciado, em grande parte, pelo aumento nos preços da carne bovina e de algumas frutas, como laranja, limão e mamão.
Além disso, Maluf ainda pondera que existem alguns impactos do clima que podem ser difíceis de captar nos índices de preços, como as questões logísticas.
“Há questões sobre o nível muito baixo dos rios [por conta da seca prolongada], que impedem o escoamento da produção via fluvial, especialmente na região Norte. E mesmo que existam alternativas rodoviárias em alguns lugares, os preços do frete também aumentaram muito e isso pode impactar nos preços que serão repassados ao consumidor”, acrescenta o economista.
Quais os impactos das mudanças climáticas nos preços de energia elétrica?
Outro ponto abordado pelos especialistas é o impacto nos preços de energia. A escassez de chuvas em lugares estratégicos do país, que contam com as usinas hidrelétricas, já vinha se refletindo nas contas de luz desde setembro.
No mês, a alta desse grupo no IPCA foi de 5,36% — o que puxou um avanço de 1,80% no grupo de Habitação.
Em setembro, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) acionou a bandeira tarifária vermelha patamar 1. Em outubro, foi necessário elevar para o patamar 2, que traz uma cobrança adicional de R$ 7,87 a cada 100 quilowatt-hora (kWh) consumidos.
A decisão, segundo a agência, veio por dois fatores:
O risco hidrológico da seca (quando a escassez de chuvas deixa o volume de água nos rios e reservatórios abaixo da média); e
O preço de referência da energia, que tem aumentado por conta da seca.
Segundo Maluf, a mudança do regime de chuvas pode trazer uma mudança da matriz energética do país à frente, que ainda depende muito da matriz hidrelétrica.
“Esse tempo seco traz um cenário cada vez mais desafiador. [No curto prazo] o mapa climático ainda está muito ruim e não tem expectativa de alívio, com um maior volume de chuvas. Para nós, é crescente a probabilidade que a bandeira vermelha 2 se estenda até dezembro”, afirma.
Caso isso aconteça, a estimativa é que a energia elétrica continue pesando nos índices de inflação do país ao longo dos próximos meses.
O que esperar à frente?
Para os especialistas consultados pelo g1, o reflexo das mudanças climáticas na economia e na inflação vão muito além dos impactos de curto prazo.
Segundo a economista e professoras de MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV) Carla Beni, a questão é “mais ideológica do que econômica”.
“A primeira coisa que precisa ser feita é parar de negar o aquecimento global, porque isso posterga atitudes de prevenção. Além disso, é preciso pensar em políticas públicas porque, no final, quem paga o peso maior da conta são as classes mais baixas”, diz.
A economista ainda afirma que a tendência é que os brasileiros precisem, cada vez mais, aprender a conviver com uma constante variação de preços e a exercitar a substituição de produtos. “Tudo o que estiver fora de safra, tende a ficar cada vez mais caro”, destaca Beni.
Já do lado de energia elétrica, o economista do PicPay Igor Cadillac aponta questões que, segundo ele, ainda precisam ser observadas no curto prazo.
“Temos alguns mapeamentos de calor porque precisamos que chova, e isso não tem sido visto. Então, é possível, sim, que a gente veja a conta de energia elétrica mais cara por mais tempo”, conclui o economista.
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