Lançado originalmente em 2005 para o PS2 pela Team Ico, sob a direção de Fumito Ueda, Shadow of the Colossus é mais do que um marco dos videogames; é uma obra que transcende o entretenimento para se estabelecer como uma experiência filosófica e emocional.
Seu enredo minimalista acompanha Wander, um jovem que adentra uma terra proibida com a missão de reviver Mono, uma jovem aparentemente morta, ao custo de derrotar 16 colossos monumentais.
A jornada, envolta em silêncios e paisagens desoladas, culmina em um desfecho que desafia interpretações simplistas, oferecendo uma meditação sobre sacrifício, consequências e o que significa buscar redenção em um mundo que não perdoa.
Tragédia e transformação
O clímax de Shadow of the Colossus é um exercício de subversão narrativa. Após a exaustiva batalha contra o último colosso, Wander, já enfraquecido e corrompido pela essência sombria que absorveu de cada criatura, retorna ao templo central.
Lá, ele é confrontado pela verdade: Dormin, a entidade que o guiou, não era um benfeitor, mas uma força selada que usou Wander como instrumento de libertação. Em uma cena visceral, Dormin assume o corpo do protagonista, transformando-o em uma figura colossal e demoníaca.
É nesse momento que Lorde Emon, líder religioso que persegue Wander, intervém com seus homens, selando Dormin — e, por consequência, Wander — em um ritual que destrói o templo e a ponte que conecta aquela terra ao mundo externo.

Enquanto o conflito se desenrola, Mono desperta, como prometido. No entanto, Wander não está lá para testemunhar seu retorno. Em um último giro narrativo, ele renasce como um bebê com chifres, encontrado por Mono ao lado de Agro, seu cavalo fiel que sobrevive milagrosamente.
O ciclo parece se fechar, mas deixa mais perguntas do que respostas: o que foi realmente alcançado? A que custo? O desfecho não entrega libertação, mas um vazio reflexivo que reflete a estética solitária do jogo.
O coração de uma mensagem agridoce, mas real
Se há uma palavra que captura a essência mais profunda desse final, ela é “redenção” — não no sentido triunfalista de Hollywood, mas em uma acepção agridoce e fragmentada. Wander busca redenção ao tentar desfazer a morte de Mono, mas o preço é sua própria humanidade e, em última instância, sua existência como ele a conhecia.
Mono, por sua vez, ganha uma nova chance, mas carrega o fardo silencioso de um sacrifício que não pediu. Até mesmo Dormin, em sua ambiguidade moral, encontra uma forma de redenção ao cumprir sua promessa, ainda que por caminhos tortuosos. É uma redenção que não apaga as cicatrizes, mas as incorpora como parte de um novo começo.

Essa ideia conversa com cada elemento do jogo: a trilha sonora de Kow Otani, que alterna entre o épico e o melancólico, sublinha o peso emocional das escolhas de Wander; os colossos, majestosos e trágicos, são vítimas de um destino que não controlam, espelhando o próprio protagonista.
A direção de arte, com seus campos vastos e ruínas esquecidas, reforça a sensação de que a redenção, aqui, é um ato solitário, quase insignificante diante da imensidão do mundo.
Kierkegaard e o “salto da fé”: um paralelo filosófico
Os temas de sacrifício e redenção em Shadow of the Colossus encontram base nas ideias do filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard, especialmente em sua obra Temor e Tremor.
Kierkegaard explora a história bíblica de Abraão, que aceita sacrificar seu filho Isaac por obediência a Deus, como um exemplo do “salto da fé” — um ato que transcende a ética comum e abraça o absurdo em busca de algo maior. Wander, de maneira semelhante, age movido por uma crença cega em salvar Mono, desafiando as leis naturais e morais impostas pelo mundo ao seu redor.
Para o autor, a redenção não vem sem angústia e paradoxo, um reflexo perfeito do destino de Wander, que alcança seu objetivo apenas ao custo de si mesmo. O final do jogo, assim, pode ser lido como uma narrativa kierkegaardiana: um gesto de fé que não garante alívio, mas abre espaço para um sentido mais profundo, ainda que incompreensível.
O que fica em Shadow of the Colossus
Shadow of the Colossus não oferece lições mastigadas ou moralidades prontas. Seu final é um convite à introspecção: até onde estamos dispostos a ir por aquilo que amamos? E o que significa “salvar” alguém se o custo é perder a si mesmo?
A mensagem que vale a pena guardar é que a redenção não é um troféu a ser exibido, mas um processo doloroso, muitas vezes incompleto, que exige enfrentar as consequências de nossos atos. Wander não é um herói clássico; é um espelho das nossas próprias falhas e desejos, um lembrete de que o amor e a obsessão caminham lado a lado.

Para os jogadores, o desfecho deixa um vazio que não explica, mas provoca. A imagem final — Mono e o bebê com chifres caminhando em direção a um jardim secreto enquanto a ponte desmorona — sugere um recomeço, mas um recomeço carregado de ecos do passado.
É uma metáfora poderosa para a vida: não há como apagar o que foi feito, mas há espaço para construir algo novo, mesmo que seja sobre escombros.
Quase duas décadas após seu lançamento, e com uma remasterização que mantém sua essência intacta, Shadow of the Colossus continua a desafiar a forma como entendemos narrativas nos videogames. Seu final, em particular, é um testemunho do poder da sutileza, provando que menos pode ser mais quando se trata de emocionar e fazer pensar.
Em um mundo obcecado por resoluções definitivas, a obra de Fumito Ueda nos lembra que as histórias mais marcantes são aquelas que nos deixam com o peso de suas ambiguidades — e, talvez, com a esperança de uma redenção que nunca será plenamente nossa.